Afonso Duarte

In Extremis

Afonso Duarte
1

Só a criança conhece a Eternidade
Que é inocência do desconhecido.
E o que me dá saudade
É havê-la em mim perdido.

Outra herança de tudo que não sou
Podeis levá-la! Faça-se a vontade:
Que a imortal, perene propriedade,
Perdeu-a o homem quando semeou.

Ah! como a onda do mar que é mais bravia
É que abraça os escolhos,
Só terra de poesia
Foi na minh'alma dor, o luto dos meus olhos.

Entre o homem e o mundo há um novelo
De linha preta:
Meu acto de Fé é ser criança, e crê-lo,
Que é ser poeta.

2

O que levamos da terra
É o céu que possuímos:
Esperança das sepulturas.

E à morte que damos vida
Todos os deuses se igualam
Ao mesmo Deus das Alturas.

Sê, ó Morte, o meu dia de Juízo
Se é fantasia o que penso
Sonho a terra que piso.

Mas quando o corpo, a natureza morta
Me for nas mãos dos homens
Com suas luvas pretas,

Ai, cante um rouxinol minha hora derradeira,
Porventura o mais fiel dos cantos
Amigo dos poetas.