O Meu Cachimbo
Ó meu cachimbo! Amo-te immenso!
Tu, meu thuribudo sagrado!
Com que, bom Abbade, incenso
A Abbadia do meu passado.
Fumo? E occorre-me á lembrança
Todo esse tempo que lá vae,
Quando fumava, ainda criança,
Ás escondidas do meu Pae.
Vejo passar a minha vida,
Como n'um grande cosmorama:
Homem feito, pallida Ermida,
Infante, pela mão da ama...
Por alta noite, ás horas mortas,
Quando não se ouve pio, ou voz,
Fecho os meus livros, fecho as portas
Para fallar comtigo a sós.
E a noite perde-se em cavaco,
Na Torre d'Anto, aonde eu moro!
Alli, mettido no buraco,
Fumo e, a fumar, ás vezes... choro.
Chorando (penso e não o digo)
Os olhos fitos neste chão,
Que tu és leal, és meu amigo...
Os meus amigos onde estão?
Não sei. Tral-os-á o «nevoeiro»...
Os trez, os intimos, Aquelles,
Estão na Morte, no extrangeiro...
Dos mais não sei, perdi-me d'elles.
Morreram-me uns. Por elles peço
A Deus, quando está de maré:
E, ás noites, quando eu adormeço,
Phantasmas, vêm, pé ante pé...
Tristes, nostalgicos da cova,
Entram. Sorrio-lhes e fallo...
Deixam-se estar na minha alcova,
Até se ouvir cantar o gallo...
Outros, por esses cinco oceanos,
Por esse mundo erram, talvez...
Não me escreveis, ha tantos annos!
Que será feito de vocês?
Hoje, delicias do abandono!
Vivo na paz, vivo no limbo:
Os meus amigos são o Outomno,
O Mar e tu, ó meu Cachimbo!
Ah! quando for do meu enterro,
Quando eu partir gelado, emfim,
No meu caixão de mogno e ferro,
Quero que vás ao pé de mim.
Santa mulher que me tratares,
Quando em teus braços desfalleça,
Caso meus olhos não cerrares,
Embora! Que isto não te esqueça:
Colloca, sob a travesseira,
O meu cachimbo singular
E enche-o, sollicita enfermeira,
Com Gold-Fly, para eu fumar...
Como passar a noite, amigo!
No Hotel da Cova sem conforto?
Assim, levando-te commigo,
Esquecer-me-ei de que estou morto...
António Nobre, in 'Só'
Tu, meu thuribudo sagrado!
Com que, bom Abbade, incenso
A Abbadia do meu passado.
Fumo? E occorre-me á lembrança
Todo esse tempo que lá vae,
Quando fumava, ainda criança,
Ás escondidas do meu Pae.
Vejo passar a minha vida,
Como n'um grande cosmorama:
Homem feito, pallida Ermida,
Infante, pela mão da ama...
Por alta noite, ás horas mortas,
Quando não se ouve pio, ou voz,
Fecho os meus livros, fecho as portas
Para fallar comtigo a sós.
E a noite perde-se em cavaco,
Na Torre d'Anto, aonde eu moro!
Alli, mettido no buraco,
Fumo e, a fumar, ás vezes... choro.
Chorando (penso e não o digo)
Os olhos fitos neste chão,
Que tu és leal, és meu amigo...
Os meus amigos onde estão?
Não sei. Tral-os-á o «nevoeiro»...
Os trez, os intimos, Aquelles,
Estão na Morte, no extrangeiro...
Dos mais não sei, perdi-me d'elles.
Morreram-me uns. Por elles peço
A Deus, quando está de maré:
E, ás noites, quando eu adormeço,
Phantasmas, vêm, pé ante pé...
Tristes, nostalgicos da cova,
Entram. Sorrio-lhes e fallo...
Deixam-se estar na minha alcova,
Até se ouvir cantar o gallo...
Outros, por esses cinco oceanos,
Por esse mundo erram, talvez...
Não me escreveis, ha tantos annos!
Que será feito de vocês?
Hoje, delicias do abandono!
Vivo na paz, vivo no limbo:
Os meus amigos são o Outomno,
O Mar e tu, ó meu Cachimbo!
Ah! quando for do meu enterro,
Quando eu partir gelado, emfim,
No meu caixão de mogno e ferro,
Quero que vás ao pé de mim.
Santa mulher que me tratares,
Quando em teus braços desfalleça,
Caso meus olhos não cerrares,
Embora! Que isto não te esqueça:
Colloca, sob a travesseira,
O meu cachimbo singular
E enche-o, sollicita enfermeira,
Com Gold-Fly, para eu fumar...
Como passar a noite, amigo!
No Hotel da Cova sem conforto?
Assim, levando-te commigo,
Esquecer-me-ei de que estou morto...
António Nobre, in 'Só'