Retorno à Rua
I
Turba-multa multicor. Em tumulto.
O ideal e a fome reunidos
em algum lugar da terra na rua.
Contra a exploração do osso humano
pelo cachorro humano.
Subvivos, no anseio de sobreviver.
O povo
na rua.
E já os policiais, geometricamente
chovidos de botões de ouro, na mão
a metralhadora portátil,
leve e breve;
na rua.
Vultos baralhados cuspindo furiosas
sílabas de sangue, uns na
face dos outros
de um a outro lado
da rua.
Bairro contra bairro, relâmpagos
de fuzis e o saldo:
(rubras rosas
monstruosas) que desabrocharam
na rua.
Bocas sem lábios que ficaram rindo
na rua
Dedos brotando avulsos pelos
vãos dos sapatos
na rua.
Olhos parados no rosto das calçadas
máquinas azuis-fixas fotografando
o juízo final
na rua.
Braços com mãos despetaladas, sem
uma cabeça que lhes sirva de
lanterna
e os recomponha,
na rua.
O interrogatório. Os sobreviventes.
Pedregulhos nos olhos.
Salvos
à fúria bélico-purpúrea da lei
na rua.
II
Outro saldo: o dos sobreviventes
indignos. Os que não saíram
de casa.
Os que faltaram a seus compr'
omissos
com a rua.
Os omissos.
In: RICARDO, Cassiano. Os sobreviventes: acompanhados de um poema circunstancial e de uma tradução. Pref. Eduardo Portella. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1971. p.184-185. Poema integrante da série O Bloco dos Suicidas
Turba-multa multicor. Em tumulto.
O ideal e a fome reunidos
em algum lugar da terra na rua.
Contra a exploração do osso humano
pelo cachorro humano.
Subvivos, no anseio de sobreviver.
O povo
na rua.
E já os policiais, geometricamente
chovidos de botões de ouro, na mão
a metralhadora portátil,
leve e breve;
na rua.
Vultos baralhados cuspindo furiosas
sílabas de sangue, uns na
face dos outros
de um a outro lado
da rua.
Bairro contra bairro, relâmpagos
de fuzis e o saldo:
(rubras rosas
monstruosas) que desabrocharam
na rua.
Bocas sem lábios que ficaram rindo
na rua
Dedos brotando avulsos pelos
vãos dos sapatos
na rua.
Olhos parados no rosto das calçadas
máquinas azuis-fixas fotografando
o juízo final
na rua.
Braços com mãos despetaladas, sem
uma cabeça que lhes sirva de
lanterna
e os recomponha,
na rua.
O interrogatório. Os sobreviventes.
Pedregulhos nos olhos.
Salvos
à fúria bélico-purpúrea da lei
na rua.
II
Outro saldo: o dos sobreviventes
indignos. Os que não saíram
de casa.
Os que faltaram a seus compr'
omissos
com a rua.
Os omissos.
In: RICARDO, Cassiano. Os sobreviventes: acompanhados de um poema circunstancial e de uma tradução. Pref. Eduardo Portella. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1971. p.184-185. Poema integrante da série O Bloco dos Suicidas