Tomás Pinto Brandão

Senhoras, Eu Estou Picado

Tomás Pinto Brandão
Senhoras, eu ‘stou picado;

Tenham Vossas Excelências

todas quantas paciências

eu tive no seu chamado;

cuidei que por achacado,

doídas da minha tosse

a meter-me-iam na posse

de uma merenda afamada,

e que achava quando nada

cinco condessas de doce.


Não me enganei, porque alfim

todas vinham cheias grátis

de vanitas vanitatis,

que isto é fofa em latim.

Tomara eu para mim,

por bem ganhada fazenda,

quanta folhage’ estupenda

traziam nas suas rodas,

mas com tal donaire todas

que puxam por muita renda.


Oh! quem pudera cantar

(para bem me vingar dela)

uma que à sua janela

mil vezes vejo Assumar!

Mas obriga-me a calar.

Outra da mesma feição

que é capaz, e com razão,

de prantar-me no focinho,

que farto de S. Martinho

tenho sede a S. João.


Outra branca em demasia

não era tão confiada,

posto que estava enfiada

talvez do que não queria:

mas na flor, na louçania,

na suavidade e na cor,

podia largar o amor

por ela redes e barcos,

porque debaixo dos Arcos

não vi semelhante flor.


Outra tesa de pescoço

me chamou, por embeleco,

magro, quando não sou seco:

velho, quando sou seu moço;

desdentado, quando eu posso

morder (como bem se prova

no estilo da minha trova).

Mas, se a chamar nomes vai,

ouça novas de seu pai,

folgará de Ouvi-la nova.


Outra prezada de prosa,

e em tudo perliquiteta,

bem mostra no ser discreta

quanto seria formosa:

por criar sangue, teimosa

comigo esteve a intender,

e a picar; mas a meu ver

creio que escusava tal;

Pois de sangue em Portugal

veias tem como é mister.


Uma hora de ajoelhar

me tiveram posto ali;

mas se faltaram a si,

eu a mim não sei faltar;

que não quero arrebentar

disso que vim embuchado,

pois sem comer um bocado

por tão vergonhoso meio,

não deixei de vir bem cheio,

porque sal muito inchado.


Enfim, se neste tratado

alguma tenho ofendido,

já me prostro arrependido

de ser tão arrazoado:

já tenho desabafado;

já disse tudo o que quis;

porém neste, enquanto diz

a musa praguejadora,

que qualquer é mui senhora

do seu doce, e seu nariz.